Portugueses determinam pela primeira vez estrutura de enzima que degrada ARN
Uma equipa de investigadores portugueses conseguiu pela primeira vez determinar a estrutura tridimensional da ribonuclease II (RNase II) bacteriana, uma enzima que degrada moléculas de ARN, segundo um estudo publicado na revista científica "Nature".
A ribonuclease II é uma enzima que degrada moléculas de ARN (ácido ribonucleico), que são os mensageiros do genoma, ou seja, transportam a informação dos genes para as células para que estas produzam as proteínas (os constituintes e responsáveis pelo metabolismo celular).
A equipa de investigadores, quase todos do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, determinou agora pela primeira vez a estrutura tridimensional da RNaseII, o que lhes permitiu perceber como funciona esta enzima.
De acordo com um comunicado do ITQB, durante muitos anos acreditou-se que a ligação entre o genoma e a aparência e o funcionamento de um organismo se podia resumir à explicação `do ADN [ácido desoxirribonucleico] para o ARN e deste para a proteína`.
Mas os cientistas foram encontrando uma variedade enorme de ARNs diferentes que regulam e catalizam um grande número de actividades celulares.
Recorrendo a uma técnica designada de cristalografia de raios X, os investigadores conseguiram determinar em detalhe duas estruturas moleculares - uma RNase II funcional e uma RNase II alterada, que se liga ao ARN sem o degradar - e assim explicar a interacção da enzima com o ARN.
Sabe-se agora por que é que a RNase II degrada apenas alguns tipos de ARN, lineares e de cadeia simples, e não degrada ADN, por que prefere ARNs a partir de determinado tamanho e por que é que o produto final é sempre o mesmo.
Desde que seja suficientemente longo, o ARN é puxado para dentro da molécula onde é degradado rapidamente pela cauda, subunidade a subunidade, até sobrarem quatro. Nessa altura, a pequena molécula de ARN fica solta na cavidade catalítica e é libertada.
"Apenas com a sequência da RNase II nunca teríamos decifrado a sua estrutura, porque esta enzima tem um domínio catalítico cuja forma e arquitectura agora reveladas são completamente inovadoras", diz outra das autoras do estudo, Maria Arménia Carrondo.
"Só a partir do conhecimento da estrutura se consegue explicar a nível atómico a acção biológica das moléculas. Mas os grandes saltos em termos científicos só se fazem quando se conseguem juntar os dados bioquímicos a esse conhecimento. Foi, por exemplo, o que aconteceu com a revelação da estrutura do ADN em meados do século XX", acrescentou.
Todos os seres vivos têm enzimas como a RNase II envolvidas em diversos processos, como a divisão celular. Conhecer a estrutura destas enzimas abre agora novos caminhos e permite, por comparação, prever o seu comportamento noutros organismos ou vir a identificar potenciais alvos para fármacos que regulem a sua função.
Este é o segundo artigo que o ITQB publica na Nature em 2006 e é um dos poucos artigos científicos publicados nesta revista científica em que o trabalho foi totalmente coordenado e desenvolvido por uma instituição portuguesa.